
Obrigada, Erick :)
Mas, nesta aventura do sonho exposto à correnteza,
só recolho o gosto infinito das respostas que não se
encontram.
O fato moderno é que já não acreditamos neste mundo. Nem mesmo nos acontecimentos que nos acontecem, o amor, a morte, como se nos dissessem respeito apenas pela metade. Não somos nós que fazemos cinema, é o mundo que nos aparece como um filme ruim. A propósito de Bande à part, Godard dizia "São as pessoas que são reais, e é o mundo que se isola. É o mundo que se fez cinema. É o mundo que não está sincronizado - elas são justas, verdadeiras, representam a vida. Vivem uma história simples, é o mundo em volta delas que vive um roteiro ruim". É o vínculo do homem com o mundo que se rompeu. Por isso, é o vínculo que deve se tornar objeto de crença: ele é o impossível, que só pode ser restituído por uma fé. A crença não se dirige mais a outro mundo, ou ao mundo transformado. O homem está no mundo como numa situação ótica e sonora pura. A reação da qual o homem está privado só pode ser substituída pela crença. Somente a crença no mundo pode religar o homem com o que ele vê e ouve. É preciso que o cinema filme, não o mundo, mas a crença neste mundo, nosso único vínculo.
Quem cuida mais do dedão
Do que do seu coração
Não dormirá mais, traído
Por um calo dolorido
Somos para os deuses o que as moscas são para os meninos: matam-nos só por brincadeira.
Os maiores artistas, Michelangelo, Rembrandt, Delacroix, todos, num determinado momento do florescimento de seu gênio, abandonaram a falácia da exatidão, como concebida por nossa razão simplificadora e nossos olhos medíocres, com o objetivo de conseguir fixar idéias, a síntese, a caligrafia pictórica de seus sonhos.
Adoecer de nós a natureza:
- Botar aflição nas pedras
(Como fez Rodin).
Uma noite, depois de muito Chianti, repetiu-me a definição do costume, e como eu lhe dissesse que a vida tanto podia ser uma ópera como uma viagem de mar ou uma batalha, abanou a cabeça e replicou:
- A vida é uma ópera e uma grande ópera. O tenor e o barítono lutam pelo soprano, em presençca do baixo e dos comprimários, quando não são o soprano e o contralto que lutam pelo tenor, em presença do mesmo baixo e dos mesmos comprimários. Há coros numerosos, muito bailados, e a orquestração é excelente...
O amanhã, o amanhã, o amanhã, avança em pequenos passos, de dia para dia, até a última sílaba da recordação e todos os nossos ontens iluminaram para os loucos o caminho da poeira da morte. Apaga-te, apaga-te fugaz tocha! A vida nada mais é do que uma sombra que passa, um pobre histrião que se pavoneia e se agita uma hora em cena e, depois, nada mais se ouve dele. É uma história contada por um idiota, cheia de fúria e tumulto, nada significando.
Para Merleau-Ponty, Cézanne foi aquele que primeiro mostrou o mundo tal como ele é antes de ser olhado.
Jacques Aumont, O olho interminável [cinema e pintura] p.208
de cinema é o que não se pode ver. Tratamento dos corpos no espaço, sem gesticulação. Questão de centro, de relações: encarnada em uma deiscência, como quer a "mizankadr" eisensteiniana, em uma ocupação, uma medição febril do espaço, como em Rivette, em uma tomada de possessão mais autoritária e mais pacificada, como em Straub...
Jacques Aumont, O olho interminável [cinema e pintura] p.163
é claro, é que o trem continua a ser o lugar prototípico onde se elabora, em pleno século XIX, o espectador de massa, o viajante imóvel. Sentado, passivo, transportado, o passageiro de trem aprende depressa a olhar desfilar um espetáculo enquadrado, a paisagem atravessada. A experiência das primeiras viagens de trem é suficientemente nova quando aparece o cinema para que, por exemplo, a descrição da experiência espectatorial no famoso livro de Hugo Münsterberg, em 1916, evoque, infalivelmente, os testemunhos de viajantes do século XIX. A similitude, no mais das vezes realçadas. vai bem longe: trem e cinema transportam o sujeito para a ficção, para o imaginário, para o sonho e também para outro espaço onde as inibições são parcialmente sanadas.
Jacques Aumont, O olho interminável [cinema e pintura] p.53
nessas nuvens e nesses arcos-íris, nessas grutas, ravinas e arvoredos, pintados em grande número por volta de 1800: se a visada é uma reprodução escrupulosa do mundo natural como teatro de fenômenos efêmeros, precisa-se aí de uma acuidade do olhar, mas também de um desejo de investigação e de descoberta. Olhar a natureza "tal como ela é", isso se aprende. A questão não é a de uma objetividade qualquer: nada mais irreal, em certo sentido, do que os arcos-íris de Constable, as nuvens de Dahl ou Delacroix, para não falar de Turner. Mas, nesse esforço para apreender, a um só tempo, o momento que foge e compreendê-lo como momento fugidio e qualquer - para se livrar do "instante pregnante"-, o que se constitui é o ver: uma confiança nova dada à visão como instrumento de conhecimento, e por que não de ciência. Aprender olhando, aprender a olhar: é o tema, também gombrichiano, da "descoberta visual por meio da arte", da similitude entre ver e compreender. O tema do conhecimento pelas aparências, que é o tema do século XIX, e o do cinema.
Jacques Aumont, O olho interminável [cinema e pintura] p.51
Que triste sorte para um pintor que gosta das loiras, mas que se proíbe de colocá-las em seu quadro porque não se harmonizam com o tapete! Que miséria, para um pintor que detesta as maçãs, ser obrigado a utilizá-las o tempo todo, porque se harmonizam com o tapete! Coloco nos meus quadros tudo o que amo. Tanto pior para as coisas; tudo o que elas têm a fazer é arranjar-se entre si. (Picasso, 1935)
Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade
Que a vida é traição.
Estava atirado na areia, onde desenhava grosseiramente e apagava uma fileira de sinais que eram como as letras dos sonhos, que se está a ponto de entender e logo se juntam.